domingo, 31 de janeiro de 2010

Machado



Nome: José Machado
Cidade: Vila do Conde
Blog: ecosdooficio.blogspot.com



Como descreverias o teu trabalho?

Gosto de pensar o meu trabalho Machado como uma tentativa de criar sapatos para quem quer ter os pés no chão e o coração nas nuvens.



Como é que tudo começou?

Desde sempre que senti uma enorme necessidade de ir criando as minhas coisas nos mais diversos materiais. Como o meu pai é sapateiro a minha ligação a este ofício é muito profunda e afectiva. Desde criança que tive um contacto muito próximo com estas ferramentas, materiais, cheiros e técnicas e a enorme sorte de poder ir brincando com todas essas coisas, acompanhado cumplicemente por um mestre.

No entanto, a ideia Machado só começou a ganhar corpo muito mais tarde após um convite do grupo Marionetas Mandrágora, em 2006, para a criação de alguns sapatos medievais para o espectáculo O Mistério de Adão. Como tive que fazer alguma pesquisa, acabei por perceber que sabia fazer algumas coisas, mas que na verdade sabia muito pouco sobre a história deste ofício e foi aí que senti uma enorme vontade de não mais parar…



Como escolheste o nome do teu projecto?

Pelo método clássico e antiquado de ir buscar o apelido de família, o que para mim era importante, pois de alguma maneira é o meu tributo a esta herança familiar que recebi e que começou com o meu avô há mais de um século.



Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?

É muito estimulante para mim poder pegar em técnicas, materiais e soluções quase esquecidas e outras mais contemporâneas e poder a partir daí ir dando corpo às minhas ideias. Depois há também aqui uma questão de resistência, que de alguma maneira o trabalho dos artesãos representa na actualidade e na qual me revejo por completo, contra esta ordem global onde o valor real do trabalho se perdeu quase por completo a favor da lógica taylorista massiva de produção, quase sempre baseada e nivelada por baixo e posta à venda num qualquer shopping perto de si.



Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?

A tempo inteiro só mesmo a vontade de criar, recriar e arriscar, quer seja um desenho de luz para um espectáculo, um adereço de cena, uma máscara ou um simples par de sapatos.

De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?

Um pouco de todo o lado. Gosto particularmente de criar ligações improváveis. Por exemplo, neste ano em que se comemoram os 100 anos da República gostava de criar uns Machado que de alguma maneira reflectissem isso.



Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Felizmente, no Porto ainda encontro algumas velhas casas da especialidade onde consigo quase tudo o que necessito.

De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?

Como por norma o meu trabalho passa por inúmeras fases, algumas das quais complicadas, é muito bom chegar ao fim e ver as peças terminadas. Outro momento muito bom é quando após um determinado acidente ou acaso se descobre outro caminho...



Como é que divulgas o teu trabalho?

Sobretudo através da internet.

A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?

Como é óbvio, o papel principal. Neste domínio, a próxima etapa é dentro de pouco tempo passar a vender quase em exclusivo através da plataforma etsy.com ficando as encomendas restritas ao trabalho para a cena, sobretudo teatro e dança.



O que achas da actual moda do artesanato urbano?

Para começar não gosto muito do termo e da necessidade de criar mais categorias, pois no fundo é de artesanato que estamos a falar. Como já disse anteriormente, penso que a atitude cada vez mais crescente de gente a criar artesanato representa também uma vontade de mudança face a esta lógica dominante e barata de massificação e é isso sobretudo que me apraz registar. Obviamente há também aqui uma questão de moda e de muito oportunismo pelo meio, mas isso vai ser sempre assim e penso que nem devemos perder tempo com isso.



Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?

Não gosto particularmente de dar conselhos. O meu caminho tem sido sobretudo de muito trabalho. Aquela conhecida frase do 99% de transpiração e de 1% de imaginação para mim faz todo o sentido.

Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?

Como é natural são muitos e, portanto, vou concentrar a minha escolha sobre o Senhor Fernando Silva, um artesão que conheci há pouco tempo e que ainda não tem existência na internet mas que vive e trabalha em Valbom, uma freguesia de Gondomar, e que - por acaso - além de ser sapateiro, faz umas esculturas em madeira e pedra numa estética popular e vernácula que muito admiro.

Convido todos os interessados a passar em Valbom na rua dos Ourives, perguntarem pelo Senhor Fernando e terem o privilégio de ver a obra deste homem e sobretudo a forma como ele fala do trabalho que lhe nasce das mãos como a água de uma montanha…



Quais são os teus sonhos para o futuro?

Gostava particularmente de poder vir a trabalhar para a indústria cinematográfica.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Oficina do Achado



Nome: Lúcia Amaral
Cidade: Moita do Ribatejo
Blog: oficinadoachado.blogspot.com



Como descreverias o teu trabalho?

Essencialmente como uma viagem à minha infância. Muitas pessoas ao verem os meus jogos relembram-se de momentos felizes da sua infância, o que as leva a querer partilhá-los com os mais novos, não deixando, assim, que os jogos tradicionais se percam.



Como é que tudo começou?

Desde miúda que faço trabalhos manuais. Há quatro ou cinco anos, comecei a brincar com uns restos de madeira que tinha em casa, juntei -lhes a paixão pelos tecidos e, com muitas dicas de familiares, amigos e clientes tudo foi evoluindo até onde estou agora.



Como escolheste o nome do teu projecto?

Eu vivo no campo, num espaço maravilhoso a que, por ter sido uma descoberta, demos o nome de Quinta do Achado. Oficina do Achado por ter nascido na Quinta do Achado e porque para muita gente os meus jogos são um achado, devido à dificuldade de encontrar jogos deste género.



Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?

Bem, nunca pensei muito nisso. Em primeiro lugar está a minha realização pessoal. A motivação vem de ver peças totalmente feitas por mim a provocar alegria em miúdos e graúdos.

Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?

Não, não são um trabalho a tempo inteiro. Tenho uma empresa com o meu marido, onde tenho que organizar e resolver vários assuntos. Os meus dias são passados na Quinta do Achado entre a oficina, a empresa e a dar uma «mãozinha» aos meus filhos quando eles precisam.



De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?

Das brincadeiras dos meus sobrinhos até às sugestões dos clientes. Das brincadeiras da minha infância às coisas fantásticas que se encontram na internet. Enfim, um pouco de todo o lado.

Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Carpintarias, lojas de tecidos e lojas de artes decorativas.



De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?

Bom... é mais fácil dizer qual a parte que menos me agrada : LIXAR! As peças de madeira têm que ser lixadas várias vezes até ao seu acabamento final. Quando lixo fico sempre cheia de pó, daí dizer que é a parte que menos me agrada.

Como é que divulgas o teu trabalho?

Em feiras de artesanato e através do blog.



A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?

Sim, sem dúvida! Todos sabemos que os nossos dias não seriam os mesmos sem internet. Assim, o nosso trabalho pode chegar mais facilmente a todo o lado.

O que achas da actual moda do artesanato urbano?

Acho interessante pois dá-nos a oportunidade de conhecer trabalhos muito bons, com muita criatividade e muito bem executados.



Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?

Como diz o ditado popular: «Quem procura sempre alcança».

Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?

Em geral, tenho mais peças favoritas do que crafters em si, mas de qualquer modo são tantos que não seria justo mencionar apenas alguns. Por isso, escolho não mencionar nomes.



Quais são os teus sonhos para o futuro?

Continuar a «crescer» fazendo aquilo que gosto.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sibi by Sílvia Nolan



Nome: Sílvia Nolan
Cidade: Coimbra
Blog: sibiscrafts.blogspot.com
Flickr: www.flickr.com/photos/sibiscrafts



Como descreverias o teu trabalho?

É um trabalho movido pela paixão de quem faz isto porque adora fazê-lo. A cor e a alegria são uma constante, quer sejam bonecos ou acessórios. Apesar de fazer um leque de peças diferentes, penso que consigo ter um fio condutor que dá identidade ao meu trabalho.



Como é que tudo começou?

Tive o privilégio de nascer numa família de mulheres prendadas. A minha bisavó era modista, a minha tia-avó e a minha prima sempre fizeram roupa para elas próprias. A minha prima é dez anos mais velha que eu e desde miúda sempre a admirei. Adorava ir lá para casa vê-la fazer vestidos modernos, com malas a condizer, vê-la fazer milagres duma saia ou dumas calças velhas ou tricotar uma camisola em duas noites.

A minha avó ainda era do tempo em que as costureiras vinham a casa das clientes ao dia. Lembro-me de ficar horas a observar a costureira a fazer os meus vestidinhos em miúda. A minha avó sempre fez muito crochet e a minha mãe tricot.

Apesar de ter crescido a conviver com mulheres muito prendadas e de sempre ter gostado de artesanato, incrivelmente, só muitos anos mais tarde, já depois da faculdade, me interessei por explorar estas vertentes crafty. Quando estava nos preparativos para o meu casamento não encontrava convites que me agradassem. Decidi fazê-los e acabei por fazer também tudo o resto associado à festa (ementas, marcadores de mesa, ofertas). Foi só o início. O meu marido na altura trabalhava fora de Coimbra e eu passava muito tempo sozinha e acabei por encontrar nos crafts uma forma de me distrair e ocupar o tempo livre que tinha. Comecei por fazer pequenas prendas para amigas e filhas de amigas. Fui experimentando técnicas e materiais até ter encontrado na costura a minha paixão.



Como escolheste o nome do teu projecto?

Inicialmente optei pelo nome Sibi’s Crafts, num impulso, ao criar a conta no Flickr. Tinha que escolher um nome e como em família sou Sibi associei esse nome a Crafts porque ainda estava numa fase mais abrangente de exploração de interesses crafty. Este ano, com a decisão de registar a marca resolvi rever o nome e hoje o projecto chama-se Sibi by Sílvia Nolan.

Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?

Na verdade começou por ser uma espécie de terapia ocupacional e anti-stress que se tornou num vício… :) Depois, foram as amigas e novas clientes que me foram motivando. Fico embevecida quando me dizem que o primeiro boneco de um bebé foi um dos meus e que à medida que o tempo passa e que a criança cresce esse boneco se mantém como o seu amiguinho favorito. Que melhor motivação!?



Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?

Apesar de terem um papel muito importante (porque não consigo passar um só dia sem dar uns pontinhos) não são um trabalho a tempo inteiro. Sou técnica superior numa Instituição de Ensino Superior Público, onde trabalho há 9 anos em projectos que têm sido para mim enriquecedores desafios.

Os crafts fazem parte das minhas noites, muitas vezes madrugadas. Depois de muito mimar o marido e o piolheco é que subo até ao meu atelier e perco-me no meio de meias, tecidos, linhas e fitas e da magia que é criar peças que espero venham a trazer um sorriso a quem as adopta. Diria que tenho o melhor dos dois mundos!



De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?

De tudo o que me rodeia. Trago sempre um caderninho comigo onde tomo pequenas notas e onde faço alguns rabiscos. Mas acima de tudo, a inspiração surge à medida que o trabalho se desenvolve, isto é, quando começo a conjugar tecidos [seus padrões e cores], fitas e botões; testo combinações; improviso e adapto; nasce a «identidade» da peça à medida que vou trabalhando nela.



Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Compro muitos tecidos na internet, mas não me limito a um ou outro ponto de venda. Ao sábado de manhã vou sempre à baixa e faço a digressão pelas várias retrosarias e lojas de tecidos em busca de pequenos tesouros para animar as minhas peças.

As meias que utilizo nos meus bonecos são cuidadosamente escolhidas e escusado será de dizer que mal entro numa loja que tenha meias corro para os expositores para ver as novidades. A minha caixa das meias para os bonecos tem mais meias do que a gaveta das meias que calço no dia-a-dia.

A minha mãe também tem sido uma grande patrocinadora dos meus crafts. A morar nos Estados Unidos, ela própria não resiste a enviar-me novidades em botões, fitas e até «ferramentas» para os meus trabalhos.



De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?

Nos bonecos adoro ver quando já têm forma e acabo de lhes bordar a cara. É nesse momento que para mim ganham vida. Nas pregadeiras e outros acessórios agrada-me a parte em que a peça está quase pronta e escolho os pequenos pormenores. Mas confesso que o que me põe um sorriso nos lábios é quando o meu príncipe de três anos me diz «Oh mamã, que lindo!».



Como é que divulgas o teu trabalho?

Na internet, sem dúvida, nas feiras (embora apenas participe em iniciativas levadas a cabo em Coimbra) e através de alguns projectos de divulgação de autores como a Anthrop, em Coimbra, e a Criativa, em Tomar.

A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?

Essencial, não só na divulgação, mas na monitorização. É através da internet que recebo o maior feedback do meu trabalho, com os comentários deixados no flickr e com e-mails recebidos.



O que achas da actual moda do artesanato urbano?

Pergunta difícil… Penso que se banalizou a moda e o conceito.

Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?

Procurem o vosso próprio estilo. Ele surge de dentro de vós, ele aparece no processo criativo. Naturalmente que, com a panóplia de fontes de inspiração que hoje temos ao nosso dispor, somos influenciados por diversos estilos, mas quando criamos as nossas peças devemos procurar o nosso próprio caminho. Aí sim, sentiremos a satisfação plena de quem cria e inova.



Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?

São tantos… e eles sabem quem são, pois não me abstenho de lhes manifestar a minha admiração sempre que posso.

Quais são os teus sonhos para o futuro?

Muita saúde e felicidade para o meu maior tesouro, o meu filho. O desejo de poder ser sempre uma constante na vida dele e de poder dedicar-lhe sempre o tempo que ele merece. Os meus sonhos crafty para o futuro são de continuar a poder dedicar alguma parte da minha vida aos crafts e de fazer sorrir quem gosta das minhas peças.

domingo, 3 de janeiro de 2010

wooler e cooler



Nome: Rita Cordeiro
Cidade: Leiria
Blog: in-my-pocket.blogspot.com
Loja online:
cooler-shop.blogspot.com e wooler-shop.blogspot.com
Flickr: www.flickr.com/photos/inmypocket



Como descreverias o teu trabalho?

Uma aplicação de uma técnica ancestral de tecelagem, o crochet, a acessórios contemporâneos e, espero, inovadores. Ou seja, tento utilizar o que sei de uma forma menos convencional.



Como é que tudo começou?

Aprendi a fazer renda com a minha avó paterna quando era pequena, com agulha e linha beige (naquela altura ainda ninguém utilizava a expressão crochet ou tricot, fazia-se renda e malha). Era uma das muitas formas que ela tinha para nos distrair. Sempre fui muito irrequieta, e é claro que durante toda a minha adolescência tive mais que fazer do que ficar sentada a fazer naperons e mantas...

Tudo o que aprendi hibernou até me ter tornado mãe e todos os tesouros da família, feitos pelas minhas avós, tias e mãe me terem vindo parar às mãos quando a minha filha nasceu. A maternidade muda-nos em muitos aspectos, e eu voltei a lembrar-me de como gostava de fazer crochet. E cheguei à conclusão de que é como andar de bicicleta e sinto-me orgulhosa por poder honrar a memória da minha avó Tina que semeou isto em mim.



Como escolheste o nome do teu projecto?

Após ter feito várias mantas encontrei, nos fundos de uma loja, lã 100% portuguesa já com alguns anos, proveniente de uma fábrica que tinha ardido. Quando olhei para a lã apercebi-me de todo o potencial que tinha. A paleta de cores disponível era linda, senti-me como se tivesse encontrado um tesouro e comprei quase tudo o que havia. Podia aplicá-la em tantas coisas! Mas o meu plano eram as golas porque sempre me irritaram as pontas dos cachecóis que caem com o vento e deixam o pescoço desprotegido.

Fiz, desmanchei e refiz, até que cheguei na altura a dois modelos (que entretanto se multiplicaram por muitos outros), um deles multifuncional, que é um conceito que me agrada muito, e a um nome para a marca. Depois promovi um concurso no blog (porque várias cabeças pensam melhor do que uma), que ajudou a apurar o nome ao qual eu já tinha chegado, mas com uma grafia diferente: wooler.

Com a aproximação do tempo mais quente, e na sequência do que já tinha começado, criei a cooler que consiste em acessórios mais frescos, mas também multi-funcionais, para além de peças únicas. Não faço dois colares iguais.




Porquê fazer crafts? O que é que te motiva?

Sempre tive um gosto apurado, coisa que herdei da minha mãe, habilidade manual, que herdei do meu pai e alguma veia criativa, mas também muita preguiça (acho que por insegurança) de concretizar ideias. Por exemplo, sempre tive um grande fascínio pela ilustração mas nunca me aventurei com medo de falhar...

O facto de por ter saudades e quase por brincadeira (ora vamos lá ver se eu ainda sei fazer isto!), ter voltado a pegar numa agulha e ter conseguido criar coisas que também agradam às outras pessoas foi inesperado e recompensador a vários níveis. E a satisfação pessoal de, com recursos próprios e às vezes materiais reciclados, produzir peças únicas é enorme.

E a verdade é que a partir do momento em que comecei já não consegui parar. É o chamado efeito bola de neve em que as ideias surgem em catadupa, mas devido ao elevado número de horas que despendo com cada peça falta-me muitas vezes tempo para pô-las todas em prática. Acho que o que mais me motiva são as reacções tão positivas que o meu trabalho tem tido.



Os crafts são um trabalho a tempo inteiro? O que ocupa os teus dias?

Sou designer de comunicação visual e trabalhei durante os últimos nove anos sempre no mesmo atelier. Há um ano e meio, e após 11 ou 12 anos a viver em Lisboa, mudámos a nossa vida toda. Foi assim uma espécie de grito do Ipiranga contra a rotina da grande cidade, com um recomeço (com tudo o que isso tem de bom e de mau) na província.

Ganhámos saúde, calma, ar mais puro, céu mais azul e essa coisa preciosa chamada tempo. Desde então, para além de ser uma mãe muito mais disponível, trabalho como freelancer e nas peças da cooler e da wooler (nas quais acumulo as funções de criadora, executante, modelo, fotógrafa, designer, relações públicas, marketeer e vendedora) o que me ocupa os dias e, muitas vezes, as noites.



De onde vem a inspiração para os teus trabalhos?

Acho que a maior inspiração vem do dia-a-dia, de todas as coisas com as quais me identifico. Penso muitas vezes em coisas que supram as minhas próprias necessidades. No que eu gostaria de usar. Tenho um grande fascínio por peças multi-funcionais, das golas que se transformam em capuz ou dos colares que se transformam em gola e surpreendo-me muitas vezes com novas utilizações que as pessoas dão às peças (como por exemplo usar um colar como cinto!).

Gosto muito de descontextualizar num lado e contextualizar noutro e acho que tenho algumas influências tribais em algumas peças da cooler outras mais tradicionais na wooler. Também gosto de brincar com a escala das coisas, se bem que essas peças não sejam usáveis por pessoas mais clássicas. Mas é engraçado perceber que as pessoas clássicas também gostam do meu trabalho e fazem encomendas de modelos mais extravagantes em cores mais suaves.



Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Desde alguns botões de colecção da minha mãe e avós até aos fundos de lojas onde já tive a sorte de entrar e ficar a escolher durante horas, um pouco por todo o lado. Gosto muito do comércio tradicional, mas também recorro muita vezes a lojas online porque há materiais difíceis de encontrar por aqui.

De todo o processo de produção das tuas peças qual é a parte que mais te agrada?

Gosto de tudo mas principalmente dos protótipos! Mais quando resultam, claro! A adrenalina de ter uma peça nova e a expectativa de qual será a reacção das pessoas é sempre um desafio e habitua-me a não tomar as coisas como certas. Há muitas vezes em que as coisas não correm como eu esperava e isso obriga-me a melhorar. Mesmo que à partida não saiba bem que nova direcção tomar, a persistência acaba quase sempre por se revelar produtiva em termos criativos.



Como é que divulgas o teu trabalho?

A melhor divulgação é um cliente satisfeito! O passa-a-palavra agrada-me muito e tenho sido surpreendida com pessoas que não conheço a tornarem-se fãs das páginas (ainda em construção) da cooler ou da wooler no Facebook. Fã não é um termo de que goste especialmente, mas é uma forma de as pessoas se manterem em contacto com o que vou fazendo.

Para além disso, tenho vindo a criar uma mailing list e envio uma newsletter quando actualizo as lojas com peças novas.

Já tive vários convites de outras lojas, mas ainda só consegui aceitar um, da loja de estar (que é um projecto muito especial que acompanhei de perto), feliz pela iniciativa das duas responsáveis e porque sei a coragem que é preciso para começar alguma coisa do zero. Ainda não aceitei outros convites por manifesta falta de tempo para produzir peças que possa disponibilizar para consignação, por exemplo. Tenho uma grande dificuldade em ter stock. É uma das coisas que faz parte da minha lista para 2010: ponderar os convites e aceitar alguns. Só preciso de tempo.



A internet tem um papel importante na divulgação do teu projecto?

Sim! A rapidez vertiginosa com que a informação chega às pessoas, em qualquer parte do mundo, é extraordinária. Já tive encomendas e e-mails de sítios onde seria impensável chegar se não fosse a internet.

O que achas da actual moda do artesanato urbano?

Espero que não seja apenas uma moda! O trabalho manual é muito exigente fisicamente e requer muita disciplina. Não há fins-de-semana porque nunca se chega a sair do local de trabalho (quando se trabalha em casa) e está sempre ali à vista, à espera de ser começado, continuado ou terminado. Acho que esta parte é ainda muito menosprezada e que grande parte das pessoas não toma consciência do trabalho todo que está por detrás de uma peça acabada e perfeita e de que todas as pessoas que trabalham de forma continuada e consistente nesta área, trabalham mesmo muito para conseguirem ter um trabalho coerente, inovador e diversificado.

É verdade que muitas das pessoas que trabalham hoje em dia, fazem-no apenas porque a conjuntura económica actual as empurrou para isso. Para muitas delas é o chamado plano B, a forma que encontraram de ganhar dinheiro extra pondo em campo os seus conhecimentos de costura ou de tricot ou de crochet ou de tantas outras técnicas. Nem toda a gente terá estofo, nem persistência para o fazer durante um longo período de tempo porque é um meio bastante competitivo e, como em todas as áreas, há projectos com princípio, meio e fim. Mas eu acho que quem trabalha com cabeça, tronco e membros, se distingue e tem projectos com um fio condutor que não vai ser cortado de repente.



Que conselho darias a quem ainda anda à procura do seu próprio estilo nos trabalhos manuais?

Não desistir à primeira contrariedade, tentar sempre ser original, desmanchar e refazer muitas vezes, procurar o acabamento perfeito. Ter boas ideias dá muito trabalho, mas não há nada mais gratificante do que o reconhecimento posterior de que se conseguiu alguma coisa verdadeiramente inovadora.



Podes partilhar alguns dos teus crafters favoritos?

Até podia responder que não consigo porque são muitos. E são mesmo. Mas vou enumerar algumas das pessoas, muitas delas portuguesas, que me fazem sorrir muitas vezes pelo seu percurso de excepção e com as quais gostaria de me parecer quando for grande:
a Ana Ventura, de quem adoro as últimas papelsonagens e a série invisíveis, a Ana Margarida Pintassilgo, que consegue fazer-me ter pena de não poder usar brincos, a Elin Thomas , que tem as peças em crochet mais bem executadas e perfeitas que já vi, a Gisela Borges, que tem alguns dos colares e pulseiras mais bonitos que vi nos últimos tempos e um percurso absolutamente genial e que espero volte a uma produção mais regular em breve, o José Machado, que faz sapatos, botas e sandálias magníficos, tanto do ponto de vista visual como de conforto, a Maria João Ribeiro, que tem uma capacidade de produção que me deixa boquiaberta e cujas peças são autênticas obras de arte e sempre com conjugações de cores de cortar a respiração de tão lindas, a Maria Madeira, que faz os bonecos e malas mais lindos e com uma perfeição sempre exemplar, a Rita Pinheiro, que faz os burros, cães e ovelhas mais patuscos, coloridos e versáteis, a Karola Torkos, que tem uma linha de jóias lindas que se chama fools gold e que não se importou nada de que eu usasse o nome confetti, o Ricardo Rodrigues , que ultimamente se dedica mais à ilustração e cujos bonecos (heróis de bolso, lovers, etc.) sempre considerei dos mais originais, pormenorizados e perfeitos que já vi, a Rosa Pomar, incontornável e visionária, sempre com uma simplicidade tal que me faz muitas vezes pensar: «como é que ninguém se lembrou disto antes?», defendendo acerrimamente tradições, materiais e lojas em extinção e que é uma inspiração para muitas pessoas, eu incluída, a Vera João, que tem peças de excepção, muito cuidadas e sempre com uma paleta de cores muito original e cuja colaboração com a Margapinta me arrebatou.



Quais são os teus sonhos para o futuro?

Gostava de ter um espaço multidisciplinar. Uma loja/atelier/galeria/editora onde pudesse criar e ter as minhas peças à venda, trabalhar como designer a fazer livros e discos e outras coisas que tais e também pudesse servir como plataforma de divulgação do trabalho de outras pessoas. E onde houvesse também à venda sapatos/sapatilhas, claro, já que sou uma sapatólica inveterada e adorava poder disponibilizar algumas marcas de que gosto muito e que não são fáceis de encontrar por cá.